Dr. Degmar dos Anjos compartilha conosco suas pesquisas no campo HIV/AIDS. Um importante passo para promover atitudes solidárias e a conscientização de uma epidemia que cresce na sociedade brasileira, principalmente, entre os jovens. O texto abaixo faz parte do livro “Quando três tempos se encontram: sentidos e ressignificações de jovens vivendo com HIV/Aids”.

 

 

Para acessar as referências bibliográficas que aparecem no texto ou mais informações sobre o tema, pode-se pesquisar em: Anjos, Degmar dos. “Quando três tempos se encontram: sentidos e ressignificações de jovens vivendo com HIV/Aids”. Jundiaí, Paco Editorial: 2015. O autor é membro da IECLB, Comunidade de Recife – PE, possui doutorado em Psicologia Social pela UFPB e tem desenvolvido estudos e pesquisas sobre juventudes, vulnerabilidades ao HIV/Aids, sexualidades e preconceitos.

 HIV/Aids e Preconceitos

Dr. Degmar dos Anjos

        

Além de combater a vulnerabilidade dos jovens ao HIV/Aids, é importante que se discuta, também, o preconceito, o estigma e a discriminação sofridos pelas pessoas que vivem com HIV/Aids. Tal tema precisa ser abordado, pois o HIV/Aids não é uma epidemia de ordem exclusivamente física (que exija apenas cuidados relacionados ao uso de medicamentos, controle de infecções oportunistas etc), mas também é social, pois está relacionada a questões que envolvem, em especial na juventude, discriminação, revelação do diagnóstico a familiares e à comunidade, medo do enfrentamento público etc (Coleman; Toledo;  Wallinga, 2000).

Nesse contexto, Guerra e Seidl (2009), explicam que tal estigma e preconceito existem em decorrência de quatro características da Aids: (1) é uma doença que, principalmente pelas características de seu surgimento, tornou-se percebida como letal; (2) é uma enfermidade contagiosa, podendo colocar outras pessoas em risco; (3) durante o processo de adoecimento da Aids pode ser uma condição aparente a terceiros; e (4) é uma doença cujas causas são atribuídas como de responsabilidade do indivíduo.

Ao abordarem este tema, Ayres et al (1999) se referem aos primeiros anos da epidemia (1981-1984) como o período que evocou a ideia de “grupos de risco”. Estes foram amplamente difundidos através da grande mídia e se tornaram a base das poucas e incipientes estratégias de prevenção. O grupo de risco que era visado nas campanhas era composto, principalmente, pelos profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e homossexuais. Apesar desta ter sido a primeira estratégia para se pensar em formas de prevenção ao HIV/Aids, esta categorização dos indivíduos, acabou estimulando o preconceito e a estigmatização das pessoas que a estes grupos pertenciam.

Como se percebe, para o imaginário popular o HIV/Aids passou a ser visto como uma doença de pessoas promíscuas, pecadoras e culpadas, ou, então, como um “passaporte para a morte” ou “morte anunciada” (Seffner, 1995, p. 9).

Destaca-se, ainda, que mesmo tendo sido superada a fase em que se associava o HIV/Aids a “grupos de riscos”, passando tal compreensão a ser combatida pelos pesquisadores e pela visão acadêmico-científica, tal visão de que o HIV/Aids é decorrente, apenas, de comportamentos promíscuos parece perdurar (Sudbrack, 2003), haja vista que tal preconceito generalizado parece abarcar espaços nos quais o jovem circula.

Tal discriminação, além de causar os sofrimentos psíquicos e emocionais, traz consequências danosas para a pandemia de HIV/Aids e é um obstáculo aos programas de prevenção e controle da doença. Muitos, devido à discriminação e à estigmatização do HIV/Aids, têm medo de procurar ajuda e acabam se afastando dos programas sociais criados para esse fim. Preferem ficar com a dúvida e ignorar o fato de poder ter o vírus a ter que enfrentar os estigmas e os preconceitos relacionados à doença.

Movido por tal preocupação com o estigma, o preconceito e a discriminação, no ano de 2010, para marcar o Dia Mundial de Luta contra a Aids, o Ministério da Saúde lançou uma campanha em que jovens de 15 a 24 anos eram o foco da ação, tendo como objetivo desconstruir o preconceito contra pessoas que vivem com HIV/Aids. De acordo com informações anunciadas no site oficial sobre HIV/Aids do Ministério da Saúde, a campanha de combate à vulnerabilidade ao HIV/Aids em 2011 teve, novamente, os jovens de 15 a 24 anos. Campanhas como essas são de extrema importância, pois, se já há os complicadores emocionais e fisiológicos causados pela doença, o preconceito social acaba por ampliar ainda mais os sofrimentos psíquicos dos jovens que vivem com HIV/Aids.

O relato apresentado a seguir exemplifica bem a necessidade de campanhas voltadas a combater o preconceito contra as pessoas soropositivas. Nele, Vicky Tavares, presidente da ONG Vida Positiva, localizada em Taguatinga, no Distrito Federal, narra um fato em que a diretora de uma instituição escolar descobriu que um adolescente soropositivo matriculado em sua escola tinha interesse em se relacionar com algumas meninas e repreendeu o jovem por isso. Caso ele não se afastasse das garotas, a diretora disse que contaria às mães que suas filhas estavam envolvidas sentimentalmente com um “soropositivo” (Agência Brasil, 2010).

Além da associação com a promiscuidade, o HIV/Aids, desde seu surgimento, esteve sempre associado à morte e à fatalidade. Com isso, a pessoa vivendo com HIV/Aids tem sua cidadania negada, passando a ser excluído socialmente e renegado pelas pessoas ocasionando uma espécie de “morte social” (Sontag, 2007). Além do problema da discriminação para a saúde pública, o ser humano e sua dignidade são intensivamente afetados. Atos como demissão ou mudanças repentinas de setores no emprego, proibição implícita de frequentar determinados lugares, desprezo disfarçado, preconceito e discriminação na escola/universidade ou em outros espaços de convivência, omissão dificuldades para se conseguir atendimento médico, abandono da família e amigos passam a ser um desafio que assola as pessoas com HIV/Aids (Pizarro, 2006). 

É por situações como essas que se torna cada vez mais fundamental que haja ações governamentais e não governamentais e reforços das políticas públicas no sentido de esclarecer corretamente à população, objetivando, assim, que o estigma e o preconceito em relação ao HIV/Aids possam ser combatidos na sociedade brasileira (Guerra;  Seidl, 2009).

Contudo, ainda que lentamente e em passos diferentes do crescimento da discriminação, cabe destacar que ao longo do período de existência da epidemia, houve conquistas de direitos como a que foi recentemente alcançada em 02 de junho de 2014, quando foi sancionada a Lei N° 12.984/2014, que criminaliza a discriminação às pessoas vivendo com HIV/Aids. O texto da Lei pode ser visto, para muitos, apenas como mais uma legislação acerca da discriminação, mas tal legislação é extremamente importante não somente pelo seu teor jurídico, como pelo seu teor simbólico, uma vez que a sociedade passa a assumir que existe um preconceito e que este precisa ser combatido, cabendo ao poder público e às organizações sociais acompanhar e militar para que as conquistas sejam mantidas e efetivadas.

 

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Sidnei Budke
Pastoral Escolar e Universitária